quarta-feira, 30 de maio de 2007

Sujeito Suposto Saber

Como é sabido pelos estudantes e afiliados da psicanálise lacaniana, um dos motivos que gerou o rompimento de Lacan com a Associação Internacional de Psicanálise, diz respeito ao lugar ocupado pelo analista. Os analistas da instituição mais ortodoxa da psicanálise não gostaram de ouvir que não são muito mais do que ocupantes de um lugar de suposição. Lacan deu ao analista o título de Sujeito Suposto Saber.
Aos analistas da IPA, isso soou ameaçador, como se com tal esclarecimento fosse, de fato, perder sua função, como se fossem realmente cair em descrédito. Lacan anunciou a nudez dos Reis da Psicanálise, e esse encontro com o Real da função analítica não poderia deixar de presentificar-se na forma de mal-estar.
Mas o que aqueles analistas parecem não ter aprendido com Freud, é que a teoria e a prática da psicanálise nos mostram que o que se diz a um paciente só tem alcance se encontra eco nos referenciais psíquicos deste, ou melhor, os seres humanos não podem ser tocados subjetivamente por uma informação que não participe de seu conteúdo psíquico.
Neste caso, o fato de o mestre dizer que não é o mestre, depois de ter sido reconhecido como tal por alguém que se subordinou nesta relação, não alcança nenhum reconhecimento significativo no outro.
Sócrates, o sábio que nada sabia, já era bem sabido neste assunto. Não hesitou em dizer o tão conhecido aforismo “sei que nada sei”. Apesar do impacto causado pela afirmação, ou talvez, por causa disto mesmo, Sócrates a mais de dois milênios ocupa lugar central, como mestre, no discurso e no imaginário de nossa cultura. Talvez, porque somente os que sabem muito podem, sem preocupação, nem constrangimento, colocar este lugar de saber a disposição.
O lugar que o mestre ocupa só se desfaz quando o que está submetido sai desta condição a partir dos questionamentos feitos a respeito de sua posição de submissão, isto é, quando se questiona sobre si mesmo e não sobre o outro.
Então, se aqueles analistas sentiram-se preocupados em perder a função de analistas pelo questionamento interno sobre seu lugar de mestria, realmente foram dignos de sofrer as duras críticas de seus dissidentes. Analistas que delirantemente crêem serem mestres, no mínimo, não possibilitarão a seus pacientes chegarem ao fim de suas análises. O Saber do mestre inibe o Saber do Sujeito do Inconsciente.
Em determinado momento de seu ensino Lacan se questiona sobre o que deve saber, em uma análise, o analista. E a resposta que se dá é que o psicanalista deve saber ignorar o que sabe. É somente na ignorância garantida em si mesmo que o analista permite entrar em questão o Sujeito do Inconsciente, isto é, os saberes que estão do lado daquele que vai a procura de sua análise.
Freud também já havia recomendado que cada paciente fosse analisado como se fosse o primeiro de um analista. Isto não significa outra coisa senão que o saber elaborado em uma determinada análise, diz respeito somente ao particular do sujeito em questão. Este não saber, que se dá na função do analista é o que propicia, o que causa o movimento, no analisante de dar conta de seu saber, saber este que dirá algo da verdade de um Sujeito, na singularidade, nunca por completa.
Semi-verdade que vai ser dita a partir do amor endereçado a quem supostamente tem o Saber, mas que só vai ser encarada com tal, isto é, verdade, mas não toda, na medida em que se confrontar com a queda deste ideal suposto.
O analista configura-se para o paciente como aquele que sabe, é um Outro para qual o sujeito transmite seu saber. “ Um sujeito a quem se supõe um saber sobre o que seria sua verdade” (Lima, 2001, p. 4). E se supõe que o outro tem isso que é da verdade do Sujeito que vai a análise, não é por outra via senão a do amor de transferência.
É pela ignorância do analista, que o paciente vai a busca do que se configura como sua cena fantasmática, sua fantasia fundamental, causadora do Sujeito e das vicissitudes de sua existência. Esta fantasia adquiriu status de verdade, de verdade constitutiva. E este saber sobre esta cena fundamental é o que, de fato, importa no percurso analítico.
Neste percurso, a queda inicial do Sujeito Suposto Saber cede lugar ao amor pelo inconsciente. Sujeito Suposto Inconsciente?
A fantasia, base do Sujeito do Inconsciente e que confere ao Outro a suposição de saber, não será digna de ser tratada como um saber somente para que mais tarde possa perder este status? Segundo Lacan, sujeito suposto é um termo redundante, pleonástico, já que sujeito nunca pode ser senão suposto. Assim, o Sujeito do Inconsciente também é um sujeito suposto. E se continuarmos em dedução, não poderíamos pensar que o saber que se espera ouvir do Sujeito do Inconsciente sobre suas fantasias originárias também é um Suposto Saber? Sujeito Suposto Saber não seria, então, o paciente?