quinta-feira, 10 de junho de 2010

Ela

Ela lixa a unha
E pinta
De vermelho
E beija a testa do filho
E faz maquilagem permanente
E finge um orgasmo
E pensa em lipoaspiração
E sonha com peito americano
E prepara o jantar
E repara no decote da vizinha
E acha indecente
E se queixa do marido
E se olha no espelho
E confere o penteado
E tem uma vertigem
E se senta no sofá
E suspira
E não sabe o que é

domingo, 6 de junho de 2010

ooooooooo

se a vida fosse incompleta ela teria palavra e teria escrita e poderia dizer mais alguma coisa, mas não pode, porque nada lhe falta, nem ninguém e se sente inteira demais, consistente, sem nenhum furinho por onde poderiam fugir as letras uma a uma, não tem furos, nem ânus, nem boca, nem ouvidos, nem poros, nem nariz, e muito menos olhos e nenhum outro também, tem todos os seus buracos fechados com algodão, porque está morta e lhe fizeram isto no necrotério, lhe fecharam inteira e agora nenhuma letra pode vazar, porque letra é sangue, é sangue enquanto quente e lhe fecharam inteira, seu sangue gela e nenhuma letra sai, mas se lhe abrissem as pernas e o tampão de sua vagina fosse colhido, poderiam lhe injetar vida e um novo sangue circularia, aos poucos, lentamente, e expulsaria todos os outros tampões e teria tantos buracos que as letras hemorragiriam de si, tantas e tantas que nunca mais cessariam de escrever, e não haveriam palavras suficientes, nem línguas suficientes, e seriam ditas em todos os dialetos e em todas as vozes e se rezariam e não se acalmariam e não se estancariam e seriam pronunciadas sem fim