quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A voz

quero fazer amor com as palavras mortas
tomá-las sem recusa, sem excesso, sem satisfação
quero o vazio das palavras mortas
para vivificar o que por ela se desfez

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A língua

Como começaria um poema alegre se isso pudesse sair de mim? Será que no embaralhar das palavras poderia ter a sorte de receber a ordem das cartas felizes? Uma palavra sucedendo a outra e na hora do ponto final ver que a combinação resultou numa poesia de vida. Sim, quero mudar a ordem das cartas, ou simplesmente jogar o jogo como para quem tanto faz ganhar ou perder. Sim, quero usar palavras como num trocadilho. Quero fazer delas meu objeto de divertimento, meu jogo de azar. Meu incansável e viciante jogo. Quero não poder dormir, nem comer, nem sonhar, nem amar, me entregar à luxúria total e enfim me transformar num objeto da língua. E que ela use meu corpo como um simples instrumento.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

objeto olhar

Com o olho gozo, pelo olho me apago
Fobia e fetiche no mesmo objeto
Cegueira? Olho biônico...
Visão raio-x? Cabra cega

Medusa – da cabeça de cobra
Que se cobiça a olhar
Ela provoca...
E petrifica
Divide o sujeito entre o desejo de olhar e o horror ao olhar

Ah, Saramago
Sara Mago, sara!
Ensaio sobre a cegueira
Não me poupaste de ver sozinha todos aqueles horrores. Só eu vi. Vi tudo, todo o horror. O horror na cegueira

Ah, Saramago
Sara Mago, sara!
Todos os Nomes
Mas foi apenas Um que colocou na rua e na vida o tal cartorário
Foi para a rua espiar. Não sabe ele que ele é que estava sendo espiado – por mim. Vi cada passo de seu percurso pelo gozo de ir atrás do Nome.
É, o nome era morto
Ou, a coisa morta, restou o Nome

Ex(s)piação... Gozo?

domingo, 17 de janeiro de 2010

O alimento

E se eu vomitasse tudo que está podre dentro de mim, e com um único golpe ficasse livre da sujeira que me perturba? Ficaria limpa, virgem, crua. Começaria do zero num corpo sem restos. E se me sacudissem como uma toalha e caíssem todas as migalhas aos pássaros? E se eles também quiserem devorar minhas entranhas? Por que a sujeira, o resto e o excesso estão tão grudados em mim, ao ponto que se me desfizer destes, de mim me desfaço também?

domingo, 10 de janeiro de 2010

O divertimento

Exibicionismo é uma vaidade ao avesso! Exibida, colorida, como casca de ferida, come bem, come mal, come casca de animal. Tu és o que comes! A boca abocanha o si mesmo todo o tempo. A exibida come a casca e é a própria casca. E o que está sob a casca é a ferida. A exibida come casca porque é a casca e mostra a ferida. Mostra a falha. O ferimento. Come a casca e mostra do que é feita. Pura ferida.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Vou morrer de abandono nos teus braços
Mesmo que não queiras
Mesmo que nem saibas
Vou morrer de abandono nos teus braços

Se me queres, dou-te
Sou tua sou ninguém além de ti

Descanso em teu peito
A vida que carrego
És meu amparo

Meu desejo é teu
É o teu

Peço
Suplico
Deixe-me morrer de abandono nos teus braços

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Que queres que te diga?
Que mulher queres que eu seja?

Posso ser o que pedires
Perfeita
Sublime
Augusta

Frágil
Incompleta
Delicada

Sou teu espelho
Tua esperança

Tudo que desejares