segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Letra

No vazio que sustenta a vida pode acontecer um big bang. Uma grande explosão de nada, e a vida nasce e a escrita surge. De um bum, as letras caem num trilililim, despedaçadas, soltas, solitárias. Elas têm esperança de se acasalar? Não, elas nada esperam, mas se dispõem com facilidade. São letrinhas bem móveis e deslizam tranquilamente num chuáááá delicado sobre a folha. É a delicadeza presente em quando não se espera nada, no deixar-se levar.
Se eu fosse letra, seria meiga, fácil, entregue. Se eu fosse letra mergulharia no mar das palavras, e me sentiria em casa, anônima, feliz. Se eu fosse letra seria solta, só, mesmo se usada na composição de uma palavra. Se eu fosse letra não me preocuparia em qual morada estou, em que palavra, em que frase, em que livro. Seria eu apenas letra. E o uso que fizessem de mim, pouco importaria. Sim, poderia estar numa carta de execução de morte ou num poema de amor, num receituário de remédio ou num conto de horror, num bilhete rasgado ou num outdoor. Como letra sussurraria um uiiiiiiiiiiii ou um uhuhuhuh. Como letra, teria voz.

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